Por
Marcos Morita
Imagine
a inusitada situação. A filial italiana de uma empresa de contratação de altos
executivos recebe uma solicitação de um importante cliente com sede no Vaticano,
em busca de um profissional para ocupar a cadeira de CEO, recém-aberta, devido a
surpreendente renúncia do antecessor, já que o cargo era até então considerado
vitalício. Devido a importância e urgência da situação, sai em busca de
candidatos que atendam aos pré-requisitos, publicando anúncios nas principais
revistas e jornais de negócios ao redor do mundo. A versão brasileira seria mais
ou menos assim:
CIDADE
DO VATICANO - PACOTE ATRATIVO: Nosso cliente, uma das corporações multinacionais
mais antigas, sólidas, lucrativas e respeitadas do mundo, busca para ocupar
principal posição na hierarquia, profissional com larga experiência em processos
de mudança e quebra de paradigmas, capaz de conduzir reformas internas
estruturais profundas, assim como retomar o crescimento e a base de clientes
perdidas nas últimas décadas. Carisma, habilidade de negociação, gestão de
pessoas e disponibilidade para viagens internacionais frequentes, completam o
perfil desejado.
Após
triagem inicial, chegou-se a uma lista de 115 candidatos que atendiam ao perfil.
A etapa final ocorreu na sede da empresa respeitando-se a pompa, ostentação,
procedimentos e protocolo do ritual de contratação repetido há séculos. Não
obstante a preferência por europeus e principalmente italianos, o vencedor foi
um argentino, surpreendendo a todos, inclusive os brasileiros, com cinco
candidatos na disputa. Lá chegando, encontrou o que já esperava. Uma corporação
hierárquica, burocrática, lenta, distante dos clientes, com produtos e serviços
ultrapassados.
Para
traçar um paralelo entre o momento encontrado pelo novo chefe de estado do
Vaticano, utilizarei como pano de fundo a teoria do professor Ichak Adizes:
ciclo de vida das organizações, a qual compara empresas com seres humanos,
classificando-as em seus diversos estágios: namoro, infância, toca-toca,
adolescência, plenitude, estabilidade, aristocracia, burocracia incipiente,
burocracia e morte. Ou de uma maneira mais resumida: crescimento, maturidade e
envelhecimento.
Crescimento:
empreendedores com seus projetos e ideias, estejam no papel ou postos em
prática, se enquadram na fase do crescimento, onde sua atuação é fundamental e
muitas vezes única. Empresas familiares de pequeno porte e as atuais startups se
encaixam nesta etapa. Com o crescimento, tornam-se grandes demais para que
apenas uma pessoa se encarregue de sua operação, abrindo espaço para uma
administração profissional com o estabelecimento de procedimentos, fluxos e
metas, porém, sem perder a visão criativa e inovadora que a trouxeram até a
plenitude.
Maturidade:
manter-se jovem é um grande desafio, sendo a estabilidade comum à maioria. Com
expectativas de crescimento modestas, concentram-se nas realizações do passado
ao invés de visualizarem o futuro. Há uma desconfiança das mudanças, sendo o
objetivo manter o status atual. Com alterações menos frequentes, conflitos
internos são reduzidos, aumentando-se a importância das relações interpessoais.
Panelinhas, feudos, conflitos de interesse e jogos de poder e política. A
empresa pode voltar seu foco para dentro, havendo o risco de diminuição no ritmo
de inovações e do espírito empreendedor. Algumas empresas do Vale do Silício
podem aqui ser visualizadas.
Envelhecimento: a
perigosa aristocracia é também o princípio da decadência. Alguns padrões comuns
de comportamento podem ser observados nestas empresas, os quais serão mais bem
explorados em face da semelhança com a situação vivenciada pela Igreja.
· Formalidade
e tradição no vestir e no falar;
· Enfatizam-se
como as coisas são feitas, não o que é ou por que é
feito;
· Investimentos
são realizados em sistemas de controle, benefícios e instalações;
· As
pessoas, individualmente, preocupam-se com a vitalidade da empresa, porém,
enquanto grupo, o lema operacional é não fazer ondas;
· Baixo
nível de inovação interna;
· Organização
tem dinheiro em abundância.
Apesar
da formalidade e tradição no vestir e falar inerentes ao cargo e a instituição,
o novo bispo já inova de saída, intitulando-se Francisco em referência a São
Francisco de Assis, conhecido por sua simplicidade e dedicação aos pobres.
Traduz teoria em prática em sua primeira viagem internacional em solo
tupiniquim, conquistando a todos com seu discurso direto, com frases simples,
ditados locais, sorriso fácil e estilo despojado, utilizando-se de veículo
comum, hospedando-se em local de pouco luxo, carregando sua própria mala e
preferindo o contato direto com a população de baixa renda, caminhando pelas
ruas com seu surrado sapato preto.
Como
homem experiente, tem ciência de que para reconquistar clientes precisará do
apoio e do engajamento de toda a estrutura hierárquica, apregoando a seus
assessores locais sobre a questão do êxodo de fiéis e da necessidade de um
contato próximo e direto, estando mais presente nas ruas, ouvindo suas
necessidades e auxiliando em causas reais, ao invés de se enclausurarem dentro
de igrejas e monastérios. Sabe que a concorrência por aqui é ferrenha, tendo
roubado preciosos pontos de participação de mercado nos últimos anos.
De
volta a sede da corporação no Vaticano e longe de fiéis enlouquecidos pelo mais
novo fenômeno popular, Francisco precisará se debruçar em planilhas, gráficos,
organogramas, demonstrativos de resultados, escândalos e uma série de outros
problemas inerentes a empresas aristocráticas. Definir prioridades, estabelecer
objetivos de longo prazo, tomar ações de impacto, demitir, promover e substituir
são medidas necessárias para que se traga de volta a inovação, o espírito
empreendedor e a criatividade, mesmo que à moda da Igreja.
Apesar
de mais difícil, é a única saída possível para a Igreja Católica, cujo caminho
natural seria a burocracia e a morte. Bastava continuar como estava. A Jorge
Mario Bergoglio, o argentino mais brasileiro de que se tem notícia, boa sorte em
sua grande missão para o qual foi contratado.
Marcos
Morita é mestre em
Administração de Empresas, professor da Universidade Mackenzie e professor tutor
da FGV-RJ. Especialista em estratégias empresariais, é colunista, palestrante e
consultor de negócios. Há mais de quinze anos atua como executivo em empresas
multinacionais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário