Malhar agora o
governo Dilma é fácil. Todo mundo faz isso. Difícil era considerá-lo “ruim de
doer” (expressão a que recorri algumas vezes) quando sua popularidade estava nos
píncaros da glória, né? Leio alguns e algumas colunistas, que se especializaram
na nobre arte de puxar o saco, e constato, quem diria?, até mesmo laivos de
indignação com o poder de turno! Tenho certo espírito de porco, confesso… Quase,
só quase, me vem a vontade de defender a governanta. Mas não dá. Afinal, esse é
mesmo um… governo ruim de doer!!! Tão ruim quanto o jornalismo que dosa seus
elogios e suas críticas segundo as vagas da opinião pública. Quero ver é chutar
cachorro com as presas à mostra, não os de boca banguela. Mas isso é com os
leitores, certo? Se há os que prestigiam os analistas que ora pensam uma coisa,
ora o seu contrário, não há mesmo nada a fazer. Dilma só não está mais perdida
porque, de fato, nunca havia se encontrado.
Gostamos de pensar,
porque isso nos conforta intelectualmente, que existe uma “razão da história”.
Mas não há. Dilma é só uma personagem acidental de um — este, sim, existe —
projeto de poder. Num dado momento, ela se transformou na figura mais adequada
para representá-lo, para encarná-lo, até porque não ameaçava o seu principal
narrador: Lula! Mas é fato que ela própria nunca soube bem por que estava lá e
por que, a exemplo de toda dádiva, também esta lhe caiu no colo. O temperamento
irascível foi transformado pelo marketing em convicção. E ela foi engabelando a
turma. O fato, no entanto, é que a aparência severa escondia um deserto de
ideias.
Parafraseando a um
só tempo os poetas Carlos Drummond e Ascenso Ferreira, pergunto: “Pra que tanta
severidade, meu Deus?”. E respondo: “Pra nada!”. Dilma — muito provavelmente
estimulada por Aloizio Mercadante, ministro da Educação alçado a
primeiro-ministro in pectore — decidiu ter outra grande ideia depois
que as ruas começaram a gritar: quer retirar os gastos de estados e municípios
com mobilidade urbana do cálculo do endividamento de estados e municípios, em
mais um exercício de contabilidade criativa, matéria em que Guido Mantega se
tornou especialista. É um despropósito!
A parte sensata das
pessoas que ocupam as praças está cobrando mais seriedade do governo e do estado
brasileiros. E a presidente decide responder como? Estuprado a Lei de
Responsabilidade Fiscal, que serviu para pôr alguma ordem nas contas públicas. A
LRF só não é melhor porque, infelizmente, o maior de todos os gastadores — o
próprio governo federal — não está submetido aos mesmos rigores que vigem para
estados e municípios.
Ora, ora… A Lei de
Responsabilidade Fiscal só foi criada para que prefeitos e governadores, sob o
pretexto de fazer o bem, não estourassem os cofres, largando dívidas impagáveis
para seus sucessores — na certeza de que, afinal de contas, entes da federação
não quebram, não entram em falência; não no Brasil ao menos. Nos Estados Unidos,
por exemplo, a coisa é diferente. Evidentemente não se fecham prefeituras e
governos, mas eles ficam impedidos de gastar, e isso vale também para o governo
federal.
A LRF levou alguma
ordem às contas públicas. Prefeitos e governadores podem ser legalmente
responsabilizados por gestão temerária e perdem algumas vantagens na
renegociação de dívidas com o governo federal. Se Dilma retirar da conta os
“gastos com mobilidade”, vai acontecer o óbvio: abre-se uma vereda para que
desembolsos efetuados em outras áreas entrem nessa rubrica. E lá vai para o
vinagre a Lei de Responsabilidade Fiscal. Não custa lembrar que o petismo
primitivo recorreu ao Supremo contra a LRF. Quando Lula chegou ao poder, a ação
do partido tramitava no tribunal, embora Antonio Palocci, então ministro da
Fazenda, a considerasse essencial para governar o Brasil… Isso é o
PT!
Então não havia o
que o governo pudesse fazer para incentivar a tal mobilidade? Ora, dá para
fazê-lo por intermédio da abertura de linhas de crédito ou da desoneração
fiscal, mas isso não surtiria o efeito desejado. O que o governo está tentando
fazer é menos resolver o problema do que dar uma folga para governadores e
prefeitos gastarem mais.
Sim, o governo Dilma
é ruim de doer! Bem ou mal, a gestão petista tinha um tripé de credibilidade:
política de meta da inflação, câmbio flutuante e controle fiscal. A propaganda
sempre foi mais efetiva do que os fatos, é bem verdade. Mas ainda era melhor do
que o descrédito. Em dois anos e meio, a gestão Dilma fez intervenções
desastradas nos dois primeiros itens e, agora, anuncia que vai jogar uma pá de
cal no terceiro. Antes, o pretexto era o crescimento. Não cresceu. Agora, diz
que está está a responder à reivindicação das ruas… Ai, ai…
As praças pedem mais
saúde e mais educação, e Dilma dá autorização para que se arrombem os cofres
públicos e se enterre a LRF. Então a gente volta à origem das coisas, não é? Em
1994, entre uma função pública e outra, Dilma abriu uma lojinha de bugigangas
importadas do… Panamá!!! O negócio durou um ano e meio. Teve de ser fechado, sob
ameaça de falência.
O empreendimento
tinha um nome, que fornece uma piada pronta, embora seja verdade: “Pão &
Circo”.
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